terça-feira, 23 de junho de 2015

Reciclagem

Talvez eu tenha deixado para dizer tudo isso à você tarde demais. Talvez eu tenha deixado os ponteiros do relógio girarem muito mais do que deviam, e as folhinhas do calendário foram para o lixo, sem que eu tomasse atitude alguma. Entenda que a influência externa é muito forte, tanto dos meus amigos, como da minha família, e até mesmo daquele livro que eu te indiquei.
           De certa forma, depois de ter vivido nossa tragédia particular, procurei argumentos anti-você na maioria das coisas. Penei muito, porque pensei que havia conseguido, depois de fazer com que minha rotina te odiasse. Mas estava errado, porque havia esquecido dos detalhes.

                Eu costumava ser detalhista em nossos aniversários de namoro. Te observava dia a dia, tentava descobrir quem era você naquele dia e o que queria ganhar naquele mês. Os chocolates eram porque eu não tinha dinheiro, mas você os amava. Sentávamos no chão do quarto e comíamos um a um. E eu havia me esquecido de lembrar que comer chocolate no chão do quarto era uma coisa não só sua, mas nossa. E não somos nós há algum tempo.
               Sei que, pelo tempo transcorrido, é estranho falar de sentimentos. Já me disseram ser só saudades, por mim é a minha mente trabalhando mais do que devia.
                Perdoe-me, é que é difícil estar sozinho e não lembrar de quem sempre dizia que estaria comigo para sempre. Às vezes, quando brigo com alguém, ou alguma coisa sai fora do planejado, a primeira pessoa que vem em minha cabeça ainda é você. A sensação de ter alguém só para dizer “deu errado” é tão maravilhosa que ainda custo a lembrar que já se foi.
                Em meio ao caos em que nos encontramos, o meu único escape é ruminar as lembranças que ainda restaram de você aqui. Tem dias que eu quase sinto você, como se eu tivesse voltado no tempo. O cheiro, a cor, o brilho no olhar, os dentes levemente tortos, aquele sol quente... E elas sempre vêm quando eu estou sozinho.
                Quando ando na rua, sem companhia, eu travo diálogos com você o tempo todo. É triste admitir, mas ainda planejo nosso casamento na praia. Uma cena que não me sai da cabeça sou eu, só com o colete do terno, com uma taça de champanhe na mão, com o cabelo de lado, contando aos amigos o quanto foi difícil ficar sem você, e o quanto foi maravilhoso te reencontrar, anos depois.
                E eu caio na realidade, não me machuco porque já estou cheio de hematomas, mas ainda dói. Dói, porque não sei se você se vê na praia rindo da minha embriaguez, pensando no que eu passei te esperando esse tempo todo.
                E eu sei, que por mais que o tempo passe, e os ponteiros e as folhinhas sejam substituídos por telas digitais, você ainda lembra de mim. Se eu não te conhecesse, diria que você me esqueceu. Mas não, eu te conheço, como as linhas que cortam a minha mão. Talvez, você não me espera como eu te espero, mas me guarda contigo. Eu sei que guarda.
                Ontem cortaram aquela árvore que estavam escritas as nossas iniciais. Talvez essa árvore vire a celulose do papel em que assinaremos nossos nomes depois de um sim no altar, ou simplesmente um papel comum, que irá ser amassado jogado no lixo para virar papel de novo. E assim é o que eu sinto por você: já foi árvore, virou papel, amassaram e agora está numa lata de lixo, esperando para ser reciclado por você, ou por outro alguém. E eu, sinceramente, espero que você ainda se preocupe com o meio ambiente e venha me reciclar logo. 

Um comentário:

  1. "Ontem cortaram aquela árvore que estavam escritas as nossas iniciais. Talvez essa árvore vire a celulose do papel em que assinaremos nossos nomes depois de um sim no altar, ou simplesmente um papel comum, que irá ser amassado jogado no lixo para virar papel de novo. E assim é o que eu sinto por você: já foi árvore, virou papel, amassaram e agora está numa lata de lixo, esperando para ser reciclado por você, ou por outro alguém. E eu, sinceramente, espero que você ainda se preocupe com o meio ambiente e venha me reciclar logo." MA-RA-VI-LHO-SO

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