quarta-feira, 4 de março de 2015

Um coração de quatro patas

Quando você chegou, era tão pequenininho e tão bonitinho. Seu latido era agudo, e você não podia ver ninguém chegando que já vinha com o rabinho abanando. Seu cheirinho de filhote era tão bom: um aroma de leite, misturado com pelo de cachorro. Seus dentinhos estavam começando a crescer e você não parava de morder a minha mão e depois lambia. Às vezes, você estava no meu colo, fazendo essa brincadeira de morder e lamber, e eu estava atento a outra coisa e, quando percebia, você havia caído no sono. E eu tinha dó (muita dó) de tirá-lo do meu colo e te acordar.

O tempo foi passando, você foi crescendo e ficando sapeca. Quantas vezes você destruiu as coisas que deixavam à sua vista: chinelos, sapatos, toalhas, contas... Sem contar as vezes que você ia ao banheiro para beber água da privada ou pegar os papéis do lixo. Você levava uns tabefes da minha mãe, minhas tias te odiavam, meus avós pediam à minha mãe para te soltar na rua. Em vários dias eu sentia que eu era único a gostar de você aqui em casa. Mas isso não significa que eu não tenha perdido a paciência com você também.

Na hora do almoço, você enfiava a cabeça entre as minhas pernas e ficava com aquela língua pra fora, baforando seu hálito na minha cara, pedindo comida. E eu, te jogava longe, mas você sempre voltava. Quantas vezes eu, tentando me concentrar, fui atrapalhado por você, que estava com seu ursinho na boca, querendo brincar? Incontáveis. Mas, por sorte ou azar, você cresceu mais um pouco e se tornou adulto.

De forma mais sutil, você construiu seu charme. Você trocou suas corridas pela casa por ficar deitado o dia todo, com a cara apoiada nas patas da frente. Quieto. Quando ouvia algum barulho, a orelha levantava, mas de forma muito elegante. Quando saíamos de casa, a última imagem era de você sentado, nos fitando como se fosse dizer “pode deixar”. E quando chegávamos, a sua fase adolescente voltava por um momento: você corria e apoiava suas patas da frente nas minhas coxas, abanando seu rabo, com um olhar de “saudades de você”.

Parece que de alguma forma você conhecia o meu humor. Não esqueço das vezes em que eu estava para baixo e você, da forma mais silenciosa possível, se punha do meu lado e deitava, apoiando a sua cabeça na minha perna. E aquilo, sem dúvida alguma, era muito melhor que qualquer conselho de qualquer amigo.

No decorrer da vida, conhecemos uma infinidade de pessoas e junto com elas, diversos sentimentos. Umas a gente acaba carregando pra sempre, outras entram e saem rapidamente. Tem aquelas que são por uma festa, outras que são de finais de semana. Mas eu te garanto: nenhuma amizade supera a amizade que um animal tem com o seu dono.

É um sentimento tão intenso e tão invisível a nós que, quando a maioria toma conhecimento, já é tarde demais. Eles são chutados, às vezes até espancados; sem contar as vezes que são feitos de bobos para tirarem alguns risos da família e, apesar de tudo isso, a lealdade é sempre a mesma. O AMOR no olhar daquele filhotinho que abanava o rabinho quando te via é o mesmo naquele do que já quase nem enxerga direito.

Você se foi, e agora, só restam as lembranças compartilhadas no almoço de domingo. A minha mãe de vez em quando até chora. Meus avós riem como criança quando lembram das suas piruetas por um pedaço de pão. Minhas tias, que te odiavam, hoje lembram de quão macios e bonitos eram os seus pelos. Eu não era o único que te amava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário


Copyright © Tempo Livre | Design by Augusto Oliveira | Tecnologia do Blogger
    Twitter Instagram Facebook Google +