terça-feira, 24 de março de 2015

Complicar

João era alto e um pouco auto, ainda dependia dos pais. Maria era alta e nada auto, os pais ainda pagavam seu lanche. Um belo dia de novembro (dezembro, quem sabe?), João e Maria se conheceram. Uma excitação estranha pairava sobre os dois. Eles tinham o mesmo gosto musical, ou seja, eram almas gêmeas. Maria era mais moderna que João, mas isso não a fazia menos caipira que ele. No primeiro encontro, os elétrons dos dois estavam excitados, dando choque a cada toque. João gostaria que Maria fosse mais baixa e Maria gostaria que João a beijasse logo. Mas só aconteceu no final do encontro.

João chegou em casa e pensou como Maria era menos bonita que virtualmente, mas ainda assim continuava linda. Maria estava se sentindo um pouco tola, pensando nas coisas que disse e que não disse. Eles olhavam atentamente para o celular, esperando a mensagem do outro. Nessa espera, gastaram 30 min até que, Maria, ainda se sentindo tola, pediu desculpas pelo jeito tímido. João, com o peito cheio de orgulho, tratou de responde-la com um toque de frieza, dizendo que “tudo bem, é normal.”

Eles se encontraram novamente, e a coisa foi fluindo consideravelmente rápido. João acreditava ter encontrado a tampa da sua panela e, Maria, seu primeiro e único namorado. Até a primeira briga. João, apesar de as vezes frio, era ciumento. Maria, apesar de amar isso, se sentia sufocada de vez em quando. João erguia o tom e abaixava o nível, Maria se machucava. João era astuto, sabia incriminar Maria e sabia como fazê-la sentir culpada. No fim das contas, eles gastavam 20 min brigando mais 40 min até Maria se desculpar para João. Na maioria das vezes, João via coisas onde não existiam.

João pediu Maria em namoro. Sem romantismos, bem direto. Maria mal disfarçava a felicidade e João estava se sentindo um máximo. Os dois faziam questão de expor o amor aos amigos, elevavam o sentimento compartilhado no nível mais alto possível, o que fazia as pessoas pensarem que “esses vão casar.” Nessa, de expor o namoro para os outros, eles gastavam uns 15min, sem contar os textões, quando alguém questionava a relação dos dois.

João era auto, mas depois de alguns meses junto de Maria, ele se tornou 100% dependente dela. Ele não gostava disso, mas o colo de Maria era o refúgio mais aconchegante que poderia existir. A família de Maria aprovava o namoro dos dois e essa liberdade só alimentava mais o que João sentia por Maria. Mas Maria, que era nada auto, começou a sentir necessidade de independência, tanto dos pais como de João.

João era meloso, chato, ciumento. Não queria sair de casa, só queria dormir ou ficar abraçado em Maria. Ela já não aguentava mais aquele peso. Maria queria sair, viajar, rir com as amigas e sair com aquele outro cara do cursinho, mas sabia que João estaria na porta da casa dela, ou reclamando de algo que ela fez ou não fez, ou fazendo aquelas velhas piadas de sempre.

João, apesar de dependente, era observador. Sabia o que estava acontecendo e não sabia como agir. Tentou mudar seu jeito, escondeu alguns sentimentos, até se transformar em um João indiferente que por dentro sofre. Eles brigavam, João chorava, Maria ficava em sua cama olhando para o teto, pensando em como era um lixo por ter aceitado namorar João e causar toda essa situação entre eles. João lê blogs na internet, dicas de como salvar o namoro. Maria conversa com uma amiga sobre o carinha do cursinho que ela adicionou no Facebook. Eles perderam horas, incontáveis, escondendo o que sentiam.

Maria tinha medo de João surtar e ele tinha medo de ser verdade o que conspirava. João lutou, Maria tentou. No fim, a liberdade falou mais forte no coração de Maria. Ela gastou cerca de 2 min para terminar o namoro.

João e Maria passaram por muitas coisas juntos, desde risadas até lágrimas. Maria amava como João a fazia sentir feliz com pouco e João se sentia maravilhado ao reparar como o namoro dos dois, apesar de imperfeito, era suficiente para ele. Mas acabou, agora Maria pensava melhor sozinha e João fumava alguns cigarros no intervalo da aula.

Alguns minutos discutindo, outros esperando uma mensagem, outros alimentando um ciúme desnecessário. Uns minutos para o exibicionismo...  Humanos têm o dom natural de complicar as coisas, e não sabem o quanto perdem com isso. Quantas vezes não era nada, e você fez virar uma tempestade? Quantos abraços poderiam ser trocados, ao invés daquelas palavras que foram ditas sem necessidade? Quantas conversas com o intuito de melhorar as coisas poderiam ter acontecido, se não fosse aquela briga que deu margem ao fim de uma amizade, de um namoro, de um noivado ou casamento? Quanto tempo foi perdido complicando as coisas, ao invés de torna-las simples? Quantas vezes você fingiu, quando tudo o que tinha que fazer era apenas falar e confiar na pessoa que está do seu lado?

Hoje, João não sabe o que Maria faz. Ele acha que ela está bem. Às vezes, andando pela rua, ele vê uma vitrine com o perfume que ele deu pra ela. Ele para, lembra das tardes gastas ao lado dela e de quantas vezes aquele cheiro esteve no seu nariz. Hoje, na vitrine, ele é só mais um de vários cheiros que ele já sentiu e Maria é só mais uma porção de horas boas, que poderiam durar para sempre, caso não tivesse perdido aqueles minutos incontáveis gastos em brigas. Ele abriu o Instagram dela antes de entrar no trabalho, chegou a digitar um comentário, mas apagou quando pensou que seria inconveniente.

Maria mudou, mas continua a mesma. Pensa vez ou outra em João. O perfume acabou e ela comprou outro. Ela se mantém firme, até deitar a cabeça no travesseiro. Ela pensa em tudo, nos outros Joãos que passaram depois daquele, e como ele era diferente de todos. Sentia falta de ter alguém te abraçando e, pasme, de alguém brigando com ela. João apesar de todos os defeitos, era perfeito. Aquela base que sustenta uma casa grande sempre prestes a cair. Ela viu ontem uma propaganda do seriado de TV favorito de João. Pensou em mandar uma mensagem, mas achou melhor não.


Os dois não se reconhecem mais. Tudo porque, depois de complicar tudo no namoro, agora decidiram complicar um “oi, tudo bem?”. 

2 comentários:

  1. Texto maravilhoso... Que grande poeta você é... Conseguiu de forma simples e casual, contextualizar o drama de muita gente... inclusive o meu... Adorei o seu blog, já é favorito

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    1. Obrigado pelo comentário! Todo mundo sempre se identifica com os textos do Murilo <3

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