João era alto e um pouco auto, ainda dependia dos pais.
Maria era alta e nada auto, os pais ainda pagavam seu lanche. Um belo dia de
novembro (dezembro, quem sabe?), João e Maria se conheceram. Uma excitação
estranha pairava sobre os dois. Eles tinham o mesmo gosto musical, ou seja,
eram almas gêmeas. Maria era mais moderna que João, mas isso não a fazia menos
caipira que ele. No primeiro encontro, os elétrons dos dois estavam excitados,
dando choque a cada toque. João gostaria que Maria fosse mais baixa e Maria
gostaria que João a beijasse logo. Mas só aconteceu no final do encontro.
João chegou em casa e pensou como Maria era menos bonita que
virtualmente, mas ainda assim continuava linda. Maria estava se sentindo um
pouco tola, pensando nas coisas que disse e que não disse. Eles olhavam
atentamente para o celular, esperando a mensagem do outro. Nessa espera,
gastaram 30 min até que, Maria, ainda se sentindo tola, pediu desculpas pelo
jeito tímido. João, com o peito cheio de orgulho, tratou de responde-la com um
toque de frieza, dizendo que “tudo bem, é normal.”
Eles se encontraram novamente, e a coisa foi fluindo
consideravelmente rápido. João acreditava ter encontrado a tampa da sua panela
e, Maria, seu primeiro e único namorado. Até a primeira briga. João, apesar de
as vezes frio, era ciumento. Maria, apesar de amar isso, se sentia sufocada de
vez em quando. João erguia o tom e abaixava o nível, Maria se machucava. João
era astuto, sabia incriminar Maria e sabia como fazê-la sentir culpada. No fim
das contas, eles gastavam 20 min brigando mais 40 min até Maria se desculpar
para João. Na maioria das vezes, João via coisas onde não existiam.
João pediu Maria em namoro. Sem romantismos, bem direto.
Maria mal disfarçava a felicidade e João estava se sentindo um máximo. Os dois
faziam questão de expor o amor aos amigos, elevavam o sentimento compartilhado
no nível mais alto possível, o que fazia as pessoas pensarem que “esses vão
casar.” Nessa, de expor o namoro para os outros, eles gastavam uns 15min, sem
contar os textões, quando alguém questionava a relação dos dois.
João era auto, mas depois de alguns meses junto de Maria,
ele se tornou 100% dependente dela. Ele não gostava disso, mas o colo de
Maria era o refúgio mais aconchegante que poderia existir. A família de Maria
aprovava o namoro dos dois e essa liberdade só alimentava mais o que João
sentia por Maria. Mas Maria, que era nada auto, começou a sentir necessidade de
independência, tanto dos pais como de João.
João era meloso, chato, ciumento. Não queria sair de casa,
só queria dormir ou ficar abraçado em Maria. Ela já não aguentava mais aquele
peso. Maria queria sair, viajar, rir com as amigas e sair com aquele outro cara
do cursinho, mas sabia que João estaria na porta da casa dela, ou reclamando de
algo que ela fez ou não fez, ou fazendo aquelas velhas piadas de sempre.
João, apesar de dependente, era observador. Sabia o que
estava acontecendo e não sabia como agir. Tentou mudar seu jeito, escondeu
alguns sentimentos, até se transformar em um João indiferente que por dentro
sofre. Eles brigavam, João chorava, Maria ficava em sua cama olhando para o
teto, pensando em como era um lixo por ter aceitado namorar João e causar toda
essa situação entre eles. João lê blogs na internet, dicas de como salvar o
namoro. Maria conversa com uma amiga sobre o carinha do cursinho que ela
adicionou no Facebook. Eles perderam horas, incontáveis, escondendo o que
sentiam.
Maria tinha medo de João surtar e ele tinha medo de ser
verdade o que conspirava. João lutou, Maria tentou. No fim, a liberdade falou
mais forte no coração de Maria. Ela gastou cerca de 2 min para terminar o
namoro.
João e Maria passaram por muitas coisas juntos, desde risadas
até lágrimas. Maria amava como João a fazia sentir feliz com pouco e João se sentia
maravilhado ao reparar como o namoro dos dois, apesar de imperfeito, era
suficiente para ele. Mas acabou, agora Maria pensava melhor sozinha e João
fumava alguns cigarros no intervalo da aula.
Alguns minutos discutindo, outros esperando uma mensagem,
outros alimentando um ciúme desnecessário. Uns minutos para o exibicionismo... Humanos têm o dom natural de complicar as
coisas, e não sabem o quanto perdem com isso. Quantas vezes não era nada, e
você fez virar uma tempestade? Quantos abraços poderiam ser trocados, ao invés
daquelas palavras que foram ditas sem necessidade? Quantas conversas com o
intuito de melhorar as coisas poderiam ter acontecido, se não fosse aquela
briga que deu margem ao fim de uma amizade, de um namoro, de um noivado ou
casamento? Quanto tempo foi perdido complicando as coisas, ao invés de
torna-las simples? Quantas vezes você fingiu, quando tudo o que tinha que fazer
era apenas falar e confiar na pessoa que está do seu lado?
Hoje, João não sabe o que Maria faz. Ele acha que ela está
bem. Às vezes, andando pela rua, ele vê uma vitrine com o perfume que ele deu
pra ela. Ele para, lembra das tardes gastas ao lado dela e de quantas vezes
aquele cheiro esteve no seu nariz. Hoje, na vitrine, ele é só mais um de vários
cheiros que ele já sentiu e Maria é só mais uma porção de horas boas, que
poderiam durar para sempre, caso não tivesse perdido aqueles minutos
incontáveis gastos em brigas. Ele abriu o Instagram dela antes de entrar no trabalho, chegou a digitar um comentário, mas apagou quando pensou que seria inconveniente.
Maria mudou, mas continua a mesma. Pensa vez ou outra em
João. O perfume acabou e ela comprou outro. Ela se mantém firme, até deitar a
cabeça no travesseiro. Ela pensa em tudo, nos outros Joãos que passaram depois
daquele, e como ele era diferente de todos. Sentia falta de ter alguém te
abraçando e, pasme, de alguém brigando com ela. João apesar de todos os
defeitos, era perfeito. Aquela base que sustenta uma casa grande sempre prestes a cair. Ela viu ontem uma propaganda do seriado de TV favorito de João.
Pensou em mandar uma mensagem, mas achou melhor não.
Os dois não se reconhecem mais. Tudo porque, depois de
complicar tudo no namoro, agora decidiram complicar um “oi, tudo bem?”.



Texto maravilhoso... Que grande poeta você é... Conseguiu de forma simples e casual, contextualizar o drama de muita gente... inclusive o meu... Adorei o seu blog, já é favorito
ResponderExcluirObrigado pelo comentário! Todo mundo sempre se identifica com os textos do Murilo <3
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