Eu saí faltando 15 minutos para o término da prova. O fiscal
olhou meu gabarito, sorriu e disse “boa sorte”. Eu deveria ficar confiante com
aquilo, mas estava com preguiça até de rasgar o saquinho que dão para guardar o
celular.
Fazer a prova é muito simples, comparado a caminhada até o
portão do prédio. E eu tive sorte de pegar uma das salas ao fundo da
universidade, ou seja, passei por todo o sofrimento possível do corredor da
morte do vestibular.
Logo quando coloquei o pé para fora da sala, dei de cara com
várias pessoas usando aquelas estampas ameaçadoras de outros cursinhos. Como se
não bastasse estudar num colégio mais caro que o meu, eles ainda tentaram me intimidar antes e depois da prova. Mas não dei atenção às frases, até porque eles
precisariam muito mais que isso para me intimidar. E eles conseguiram.
Todos comparando respostas, a maioria delas diferentes das
que eu marquei. E, detalhe, eles estavam S O R R I N D O. Quem é que fica cinco
horas sentado em uma cadeira dura, comendo chocolate e bebendo água e ainda tem
a capacidade de sorrir? Tiraram meu chão. Mas eu ainda tinha mais alguns metros
para percorrer até o portão.
Eu havia chegado no gramado do prédio, onde todas as
panelinhas estavam fazendo a mesma coisa: comentando a prova. Tentei erguer
minha cabeça e fui. Eu ouvi muita coisa, a maioria não me agradou, o que me
deixou estressado. O saquinho do celular não abria e aqueles “nossa, estava
muito fácil” não ajudavam em nada. Resolvi sentar, tentando abrir o saquinho e
olhando de relance para as pessoas ao meu redor.
Havia gente de muito longe fazendo a prova, gente que morava
na esquina. Gente que queria direito, arquitetura, farmácia. Gente que queria
treinar, gente que achou fácil em comparação ao ano passado. Meninas tirando os
óculos, enxugando as lágrimas na camiseta do pai, dizendo que não tinha
passado. O legal de ser pré-vestibulando é que, a maioria de nós, além de fazer
o ensino médio inteiro novamente, viramos videntes. “Como foi?” “Não passei”
“Mas o resultado ainda não saiu, muito menos o gabarito” “Não interessa, não
passei”.
Finalmente abri o saquinho, e liguei o celular. O 3G naquele
lugar era péssimo, então fiquei a toa sentado na grama, tentando relaxar um
pouco. Eu sabia que a água estava quente, mas tive que tomar. E alí fiquei, até
minha consciência começar a agir.
E foi assim: eu observava meus concorrentes em suas
panelinhas, e começava a traçar perfis para eles. Via, por exemplo, caras
bombados com estampas de medicina e já pensava “poderia até passar, se não
pensasse tanto em esteroides”. Menos um. Via aquelas loiras, ligando a câmera
frontal dos seus Iphones, para arrumar o cabelo ou se havia vestígio de
chocolate no dente. Descartado. Mas também via asiáticos, de todos os tipos.
Não importa o que você faça: um asiático faz melhor. Longe de mim ser
xenofóbico.
Não fiz esses julgamentos por mal, como eu disse: era minha
consciência tentando me acalmar.
Me levantei e, após passar por todas as comparações de
questões; por todos os “estava muito fácil” e de lembrar de todas as respostas
de questões que eu havia me esquecido, cheguei ao portão. OK, sossego.
Mas não, minha família conseguiu ser pior.
“Como você foi?” mal “Não sei” “Como não sabe? Você não
estudou o ano inteiro?” estudei mas fui mal “Estudei mas não saiu gabarito”
“Mas deu tempo de fazer todas?” tirando as onze que eu pulei porque eu não
sabia, mais as 9 que eu não quis ler porque o texto era muito grande, deu “Umas
eu chutei, mas fiz tranquilo a prova”.
E tem as avós, ahhhh vovós... Falam para todos os conhecidos
possíveis que “meu neto prestou pra medicina e foi bem, agora ele está
esperando o resultado.” E aqueles desconhecidos começam a esperar de você o que
nem você mesmo pode esperar. E é assim até o resultado.
E eu não passei. Eu não passei. Eu já sabia que não ia
passar, mas mesmo assim... Eu não passei. Resolvi corrigir o gabarito, e
descobri que tinha ido bem: 62 questões de 90. OK, mas não foi o suficiente.
“Mas você vai fazer o que agora?” “Cursinho” “Mas vai ficar
parado de novo?” “Tem outros resultados ainda, calma”
E os meus resultados foram: não passei por um ponto (isso
mesmo, prova aberta dissertativa especifica do cão e eu não passei por um
mísero ponto hue) e passei em um curso bom, numa faculdade federal renomada.
Mas escolhi não ir. Não quero perder 5 anos da minha vida
estudando algo que não quero. Mas antes de chegar a essa conclusão, conversei
com muitas pessoas que já passaram por situações parecidas, e que agora estão
no cursando a faculdade dos sonhos.
Era previsível que eles iam me dizer para persistir no curso
que eu quero (medicina), mas não esperava que essa decisão seria tão importante
para mim.
Tem a tia que fala que mais um ano de cursinho é perda de
tempo, os pais que não querem investir mais, seja por falta de dinheiro ou por
também concordarem que é perda de tempo. A avó que confia, mas acha que é fácil
passar em medicina. Tem aqueles amigos que passam primeiro que você e, mesmo
que não seja o mesmo curso que você sonha, você fica estranho. Não sabe se é
inveja ou se é aquele sentimento de ser deixado para trás. Tem as fotos dos
trotes. Resumindo: eu achei mais motivos para desistir do que para persistir.
Até que, alguém, na tentativa de me animar, me perguntou
“Quanto vale seu sonho?”
Apesar de clichê, isso me manteve perseverante, e me mantém
até hoje. Renunciar todos os empecilhos lutar por algo que eu quero é
maravilhoso. Além de que, quando as coisas vêm fáceis, elas vão com a mesma
facilidade.
“Mas e se você chegar lá e perceber que não era aquilo que
você queria?” O que importa é o que eu quero agora. Se eu for pensar em
problemas futuros, não vou resolver os do presente.
E, uma resposta maravilhosa para a pergunta “Mas você só
estuda?” que um grande amigo me ensinou: Eu estudo e não cuido da vida dos
outros.
Que venha mais um ano de cursinho!



adorei, e bem assim que eu me sinto
ResponderExcluirObrigado pelo comentário e que bom que você se identificou com o texto!
ExcluirFalou tudo!!!!! Tb vou prestar vestibular esse ano e seja o que deus quiser.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário e boa sorte!!
ExcluirParabéns cara, seu texto é ótimo.
ResponderExcluirAgradecemos! Volte sempre!
ExcluirSensacional
ResponderExcluirAmei seu post , é exatamente assim que eu me sinto, e a pressão da minha família e até de parentes distantes que mal falam comigo mas querem saber da minha possivél vitória ou da inevitável derrota é o que me deixa entristecida !
ResponderExcluirObrigado pelo comentário! Depois dá uma olhada no post da Lídia, ele dá um pouco de continuidado pro texto do Murilo, espero que goste http://www.todotempolivre.com/2015/02/coisas-que-eu-queria-que-alguem-tivesse.html
ExcluirParabéns, escreveu super bem!!!!
ResponderExcluirTambém fiquei impressionado quando li o texto, ficou bom demais!
ExcluirAcabei de ver esse seu post lá no facebook e resumiu minha vida, praticamente. Eu fiz vestibular assim que sai do ensino médio: não passei. Resolvi, ainda que cedo, ouvir parentes e fazer um curso técnico. Queria informática, fiz eletrônica. Perdi dois anos com o técnico mais o estágio (na verdade foi uma experiência ótima, contando com tudo o que aprendi nesse tempo). Hoje, com 20 anos, decidi largar tudo e voltar a estudar pra realmente tentar e dar o meu máximo para passar no curso que sempre desejei: engenharia civil. Assinei um pré vestibular online pra ajudar, pois não tenho grana o suficiente pra pagar um presencial. Também fiz um plano de estudo bem puxado e vou me dedicar completamente a isso.
ResponderExcluirMuito bom o texto, continue escrevendo pois vou acompanhar. Espero que consiga passar em medicina na próxima vez, já sabia do teu esforço acompanhando meio anonimamente seus posts no facebook e acredito que vai conseguir. Abraços!
Todos nós nos identificamos muito com o texto do Murilo, obrigado pelo comentário e desejo muita sorte pra você, agora pra buscar o que você sempre quis! Valeu!
ExcluirMaravilhoso! Parabéns !
ResponderExcluirE a gente agradece! Muito obrigado!
ExcluirCara, adorei a paixão e sua forma cômica de abordar algumas coisas. Você tem muito talento e merece ser aprovado. Estou há quase 5 anos tentando, também possuo um Blog. Chama-se: "Diário do Vestibulando de Medicina", se algum dia tiver curiosidade, escrevo algumas coisas para mostrar a realidade na preparação, enfatizando também sempre nossa motivação.
ResponderExcluirAbraços e sucesso futuro colega de profissão!
O link do Blog:
https://diariodovestibulandodemedicina.wordpress.com/
Valeu, com certeza vamos dar uma passada no seu blog!
ExcluirMuuuito maneiro!Resumiu minha saída "triunfal" da sala até o portal e meu pós prova imediato. Além da minha vida pós enem/vestibulares .
ResponderExcluirEle conseguiu descrever tudo certinho, né? Obrigado pela visita, volte sempre!
ExcluirÓtimo texto! O que nós mais pensamos é em desistir rs
ResponderExcluirFoi assim comigo, passei na UFF e na Unifesp pra farmácia no ano anterior e com tanta gente "me enchendo o saco" quase fui... Mas arrumar força de onde eu nem achava que tinha mais e continuar estudando foi o que me fez estar hoje no segundo ano de medicina. É maravilhoso saber que estamos onde tanto sonhamos depois de tantos obstáculos. O primeiro ano da faculdade quase me fez desistir, mas nada como aquela pitada de perseverança que a época de pré vestibulandos nos ensina a ter rs
Hoje agradeço cada esforço e cada vestibulando com camiseta de outros cursinhos me intimidando rsrs
É só ter força que todos nós conseguimos chegar onde queremos, somos capazes de tudo.
Olá, parabéns pelo texto sincero! Descreveu muito bem o que nós, vestibulandos, sentimos. Uma coisa que eu aprendi: não importa se você tomou uma decisão errada, não importa o que dizem, apenas siga seu coração! Eu comecei a cursar direito por vários motivos: 1) meu pai é advogado e eu CRESCI ouvindo que eu seguiria na carreira jurídica; 2) tinha medo de aceitar que eu queria medicina porque eu sabia que não passaria; 3) queria ir logo pra faculdade e acabar com as pressões de vez... Enfim, aguentei por 3 anos, sim, fiz 3 anos de direito! Uns dizem que eu sou louca, que eu deveria ter terminado, outros dizem que eu sou uma filhinha de papai que quer ficar de boa sem fazer nada, mas também há quem diga que eu sou corajosa e que estou certa em buscar meu sonho. Me apego a isso, são a essas pessoas que eu dou ouvidos, são pessoas que me entendem. Eu sei que estou em desvantagem em alguns aspectos em relação aos meus concorrentes que acabaram de sair do ensino médio e já começaram a fazer cursinho, eles estão com a matéria bem mais fresca na cabeça e eu estou tendo que reaprender muita coisa, mas também tenho a vantagem da experiência de já ter passado por uma faculdade e pelo estágio, e minhas redações costumam ser muito boas graças às infindáveis leituras, petições, recursos e teses e mais teses...Mas, no fim, vai dar tudo certo! C'est la vie...
ResponderExcluir